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Sobre cogumelos...

Por Shaila Maximo

    O que você viu não é só um cogumelo, um fungo qualquer que cresceu por aí, num parque dentro da cidade, como um intruso da vida urbana. No momento em que vi aquela parte de um fungo destoada da correria do nosso dia-a-dia, senti aquela presença como uma resistência da natureza na metrópole. Não é sempre que se acha um cogumelo em uma árvore no meio da cidade. Pode procurar por aí! Duvido que alguém ache cogumelos suficientes para serem contados nos dedos das mãos em uma caminhada vespertina.

    O fato é que eu encontrei um resistente numa tarde de setembro. E ele me fez lembrar das reflexões de Anne Tsing sobre dois pontos muito interessantes: a vida em cooperação e o viver em ruínas.

     Sobre cooperação, lembrei-me do relato de Tsing sobre a colheita do cogumelo Matsutake. Para que esse cogumelo seja cultivado e colhido, há toda uma experiência, tradição e cooperação. É um procedimento muito específico que traz à tona um conhecimento e um processo manual cuidadoso, unificador do homem e da natureza para que haja subsistência entre o grupo de humanos que vive dessa atividade e o local em que tais cogumelos aparecem. Dentre outros lugares, o Matsutake emerge nas ruínas de alguns locais específicos dos Estados Unidos (TSING, 2015; 2019).

    Segundo Tsing, essa espécie de cogumelos é de uma natureza muito peculiar, que precisa de todos os elementos e seres vivos que nela habitam. Somente as ruínas, um local que já foi e não é mais, proporciona a esse cogumelo as condições ideais de sobrevivência naqueles arredores (TSING, 2015; 2019). Dentro da destruição nascem novas possibilidades.

    Toda essa reflexão que partiu de cogumelos promotores de uma relação homem/natureza bem mais cooperativa do que se vê por aí me fez pensar quão frágil é a existência de cada ser e como a cooperação entre os diferentes ocupantes de um habitat pode proporcionar uma vivência melhor e mais duradoura para todos.

    Uma forma de viver em cooperação pode fazer com que a era do Antropoceno tome novas formas e permita aos seres humanos viverem de forma harmoniosa não só entre si mas também com os outros seres vivos e os elementos naturais que os rodeiam.

     A forma de viver que prioriza apenas uma espécie, como essa que vivemos, culmina em morte, mas uma forma diferente da morte natural, uma forma de morte injusta que resulta muito mais na morte do outro, de forma desequilibrada, no sofrimento do outro em troca do bem estar humano, e, enfim, na extinção de muitas espécies em um curto período de tempo.

    A resistência que representou para mim o cogumelo que vi naquela tarde, o único de sua espécie naquela árvore da foto e em muitos metros (ou até quilômetros) além daquele ponto me fez pensar em quanta vida (ou morte) temos possibilitado, qual a porcentagem de extinção que nos cabe nessa era do Antropoceno e o quanto essas extinções nos fazem caminhar para uma vida solitária nesse mundo, como a daquele cogumelo. O cogumelo em questão, pelo menos, tem uma vida em associação com aquela árvore e aquele ambiente no qual conseguiu sobreviver. Já a nossa espécie tem eliminado cada vez mais as possibilidade de associações possíveis com nossos conterrâneos não humanos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

FAUSTO, Juliana A. Cosmopolítica dos Animais. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2017.  

TSING, Anne. The Mushroom at the End of the World: On the Possibility of Life in Capitalist Ruins, Princeton University Press, 2015. 

 

______. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.  

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